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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O ART. 6 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O ART. 2 DA LDB[1]



Fabio Coimbra[2]

Nos termos do Artigo 6 (seis) da Constituição Federal a educação é definida como um direito social. Trata-se de um direito de todos, tendo como promotores o Estado e a família.
À sua vez, o Artigo 2 (dois) da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) os ideais nos quais a educação se inspira, quais sejam, os de liberdade e solidariedade humana; determina também os fins da educação que consistem em: desenvolvimento do educando, sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.


[1] Disponível em: philosofiaeciencia.blogspot.com
[2] Acadêmico de Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão 

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DO PIBID / CAPES / UFMA


Fábio Coimbra[1]
Este trabalho foi apresentado no IX Encontro de Pesquisa em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais 
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Resumo
O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância e as contribuições do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de iniciação à Docência) da CAPES para os aspirantes à docência do ensino da filosofia no Ensino Médio. Os pilares sobre os quais este trabalho se erigirá serão constituídos a partir dos próprios objetivos do programa, como por exemplo, a “inserção do estudante de Filosofia na escola de ensino básico, tendo em vista os primeiros contatos com a organização escolar em toda sua ambiência docente e principalmente discente”. Uma reflexão sobre o ensino da filosofia a partir de experiências vividas na execução do programa (PIBID) será desenvolvida considerando a aplicação de um questionário junto a uma turma de Ensino Médio, cuja pretensão era consultar a opinião dos alunos sobre as aulas de filosofia. Após a colheita e análise das respostas, levantou-se a hipótese de que o aprimoramento do ensino da filosofia no Ensino Médio deve, também, levar em conta a opinião dos alunos no que a isso diz respeito. Igualmente, é necessário considerar aquilo que constitui o objetivo do ensino da filosofia no Ensino Médio, tal como expresso no artigo 36 da LDB 9394/96. Em suma, procurar-se-á demonstrar que se uma das metas da educação é a construção de uma sociedade melhor, a filosofia pode eficazmente contribuir para isso, algo que a torna – para alem da contingencia – uma verdadeira necessidade.

Palavras-chaves: PIBID Filosofia, Ensino Médio, Educação, Docência 


Disciplinas complexas e que aparentemente não comportam nenhuma espécie de relevância para o progresso da ciência, sofrem, em princípio, um descrédito, fruto de um preconceito oriundo nada mais nada menos que de uma ignorância irremediável daqueles que, tomando para julgamento das coisas visíveis o critério da aparência, costumam exaltar um molde de ciência, sociedade, ou humanidade em detrimento de outros que, obviamente são menosprezados. Esses preconceitos, somados a uma gama de fatores diversos, contribuem, sem dúvida para o estabelecimento de dificuldades no que diz respeito à ministração de certas disciplinas. Uma dessas eventualidades – e que aqui se pode tomar como exemplo – se dá no caso da disciplina de Filosofia, muitas vezes alvo de crítica e objeto de desprezo da parte daqueles que acham que ela não serve para nada. Cumpre ressaltar que esse preconceito para com o ensino da filosofia se observa tanto no âmbito da educação básica, quanto da superior.
Como medida para minimização dessa situação, ao menos no nível básico, torna-se fundamental conhecer o que realmente desperta os interesses dos alunos, bem como as coisas que mais chamam sua atenção estimulando, desse modo, sua curiosidade e sua vontade de aprender. O conhecimento daquilo que em princípio constitui os interesses dos alunos estabelece sem dúvida um ponto de partida fundamental para a mudança daquela realidade pela qual a filosofia, por exemplo, é concebida como algo insignificante, ou irrelevante. A meta a ser alcançada consistiria na obtenção de uma realidade educacional, na qual a filosofia fosse respeitada como tal, passando a ser vista, portanto, como relevante, desejável, indispensável e necessária para a construção de uma sociedade diferenciada e, por conseguinte, de um mundo mais valorado e rico humanamente. Para isso, faz-se necessário estabelecer pilares que permitam a construção do edifício.
O primeiro passo rumo a meta pretendida seria diagnosticar o ensino da filosofia no nível básico com o objetivo de construir, a partir do diagnóstico, um panorama que permitisse visualizar com precisão as principais dificuldades que surgem como obstáculo à prática do ensino da filosofia na educação básica. Sobretudo, no que tange aos problemas de aprendizagem. Tal foi o ponto de partida do PIBID-Filosofia da UFMA nas escolas-campo [aquelas nas quais o programa está sendo executado]. Esse trabalho inicial consistiu na aplicação de um questionário composto de oito perguntas sobre o ensino de filosofia, sendo seis objetivas e duas dissertativas que foram respondidas pelos alunos. A partir da colheita e análise das respostas, iniciou-se, então, a interferência do programa por meio da execução de um projeto de cinema. É válido destacar que uma das grandezas do questionário reside, por exemplo, no fato dele permitir a elaboração de planos de aulas que contemplem algumas das opiniões dos alunos quanto ao que deveria ser a aula de filosofia, e nisso reside, sem dúvida, o ponto de partida para uma melhora no processo ensino-aprendizagem da filosofia na educação básica.
Considerando as respostas obtidas nas questões aplicadas, pode-se dizer que são boas as expectativas para um melhoramento do ensino da filosofia no contexto do ensino médio. Com base no que fora respondido, pode ser dito que a aula de filosofia, atualmente, não está tão longe daqueles fins para os quais ela converge. Evidentemente, faltam alguns ajustes necessários para o alcance do êxito pretendido.
 A resposta à primeira questão – que perguntava “o que é a aula de filosofia para você?” – permitiu ver a utilidade da filosofia e a sua ligação com o tecido social que compõem a realidade de cada um, uma vez que, para a maioria dos alunos [do primeiro ano], a aula de filosofia é questionar os problemas do dia-a-dia. Daí se infere certa contextualização dos temas trabalhados em relação ao contexto no qual se tece a vida cotidiana, considerando elementos, ou fatores diversos.
Na segunda questão – que perguntava se “o conteúdo da aula de filosofia é bom, ruim, ou deixa a desejar?” – a resposta parece um tanto agradável quando, segundo a maioria dos alunos, o conteúdo é referido como bom. Entretanto, esclarecimentos precisam ser feitos quanto a essa questão, para saber em que sentido o conteúdo pode ser considerado como realmente bom.
Na terceira questão – que perguntava “você compreende a aula de filosofia?” – a maioria dos alunos respondeu que a aula de filosofia é sim compreensível. Na quarta questão – se “o professor de filosofia utiliza textos filosóficos em sala de aula?” – a resposta foi consensual entre os alunos, segundo os quais, o professor utiliza sim textos filosóficos nas aulas.
A quinta questão, à sua vez, corrobora a resposta da primeira. Naquela, a maioria dos alunos disse que a aula de filosofia questiona os problemas do dia-a-dia, nesta, à sua vez, segundo a mesma maioria, com acréscimo de três pontos percentuais em relação àquela, há sim alguma ligação da aula de filosofia com suas realidades.
A sexta questão – em virtude da resposta da maioria dos alunos – passou a ser mais de caráter metodológico. Ao perguntar “O que chama sua atenção na aula de filosofia?” a questão trouxe a lume uma preocupação em relação aos meios de transmissão dos conteúdos a serem trabalhados. De acordo com a maioria dos alunos o que mais chama a atenção na aula são os recursos utilizados pelo professor, como, por exemplo, o uso de vídeos. Com base nas justificativas dos alunos para essas respostas, há uma carência do uso de outros meios, como, por exemplo, músicas e figuras.
 As duas últimas questões, isto é, a sétima e a oitava, já eram mais de caráter subjetivo, dado que as respostas eram dissertativas. A sétima – que perguntava “de que forma o professor de filosofia estimula e desenvolve discussões, ou debates em sala de aula?” – apresentou respostas que apontam para a necessidade de se aperfeiçoar métodos já usados como, por exemplo, o uso de tecnologias. Um aspecto importante a ser assinalado é que, de acordo com a maioria dos alunos, o estímulo do professor para as discussões e debates se dá por meio de uma boa explicação. Isso se torna relevante se considerarmos que uma das principais dificuldades em tornar atrativas as aulas de filosofia pode está no simples fato de que nem sempre o professor de filosofia é alguém com formação especifica na área, mas apenas alguém que supre, ou preenche a ausência desse profissional. Desse modo, uma aula de filosofia que realmente chame a atenção do aluno por meio de uma boa explicação – levando em consideração as dificuldades em se entender e, muitas vezes, explicar o texto filosófico, ou o pensamento de um autor – seria de competência exclusiva do profissional com formação especifica em filosofia.
Assim como a sétima, a oitava e última questão, à sua vez, ao questionar “como você gostaria que fosse a aula de filosofia?” também trouxe respostas que apontam para a necessidade de melhoramento dos procedimentos didáticos. Diante da diversidade das respostas devido ao caráter dissertativo da questão, cabe destacar algumas respostas dos alunos, as quais foram organizadas em grupos. Nesse sentido, a maioria da turma teria respondido que seria bom que a aula continuasse como está. Outra parcela considerável de alunos teria dito que gostaria que a aula de filosofia fosse com mais recursos tecnológicos. Nota-se aqui que o uso de tecnologias parece ser uma das coisas que mais chama a atenção dos alunos.
Diante de tudo isso, é interessante notar como algumas questões estão diretamente ligadas a outras. Obviamente, a grandeza do questionário reside no fato dele funcionar como um mapa no qual se podem perceber as diversas situações que permeiam a realidade da escola da educação básica da sociedade brasileira [claro, numa visão indutiva]. Cumpre relevar que o questionário ainda pode ser melhorado para fins de obtenção de dados mais precisos. Não obstante, cabe destacar que ele representa um ponto de partida, um pontapé inicial dado rumo às transformações, então, desejadas [como no caso do PIBID com a sua proposta de interferência].
Seria interessante também atrelar a esse procedimento alguns dos princípios já estabelecidos no PPP [Projeto Político Pedagógico] das escolas. Alem disso, seria relevante tomar ciência daquilo que, em suma, constitui o objetivo primordial do ensino da filosofia no ensino médio, tal como disposto no artigo 36 da LDB. Igualmente seria relevante ter claro o objetivo da educação básica, disposto no artigo 22 da mesma lei. Daí seria importante primeiro tomar conhecimento, se não total, pelo menos parcial, da LDB, uma vez que é ela que disciplina a educação escolar, conforme redação do artigo segundo. Pode-se dizer que a carência de conhecimento desses dois elementos (PPP e LDB), representa o vazio de uma marcha que conduz para o nada. Afinal, toda proposta que se pretende chegar a um determinado ponto, deve ter evidentemente um ponto do qual possa se dar a partida. Obviamente, “tudo que tem um começo deve ter um fim”. Cremos que a eficiência como ápice e fim da educação deva ter por começo as considerações sobre as bases reais já solidamente construídas. Não obstante, é necessário suprimir e inovar, tanto quanto for preciso, na medida em que isso se mostrar imprescindível, desejável e plausível para a construção de uma educação melhor; que mude de mentalidade; que introduza o pensamento crítico; que construa homens melhores; que traga a lume uma nova sociedade; um novo mundo; que erija valores; que construa pontes que liguem os diversos mundos, os diversos povos, as diversas culturas.
É preciso perceber que por a trás de toda a aparência subjaz a verdadeira realidade, e que nos submundos das mutações reside a essência, aquilo que consideramos necessário em um ser para que ele seja aquilo que é. Também faz jus perceber que por trás de toda a realidade; que por trás do preto e do branco, que por traz do alto e do baixo, que por traz do forte e do fraco está aqueles pano de fundo que destaca a figura de cada homem; critério único; medida única, mediante a qual a grandeza de cada ser deve ser medida.  Esse engenhoso pano de fundo chama-se: educação, obra magnífica resultante da soma de fatores diversos. 


[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão; bolsista da CAPES com atuação no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID.

Resenha do livro "O ENSINO DE FILOSOFIA COMO PROBLEMA FILOSÓFICO"


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CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia: como problema filosófico. Tradução de Ingrid Müller Xavier. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. 101 p.
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FÁBIO COIMBRA
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
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Sob a autoria de Alejandro Cerletti, o livro em questão tem como propósito discorrer sobre a implementação de alguns recursos didáticos planejados no sentido de facilitar a atividade docente, como o autor bem destaca ainda na introdução: “o ponto de início será refletir sobre o problema que está na base: que se entende por ensinar filosofia e como se poderia transmitir algo cuja identificação é já um problema filosófico”. Nesse contexto, chama-se a atenção para uma série de decisões que a partir daí deverão ser tomadas. O autor em alguns momentos se limita a definir como (ou quem) seriam os melhores professores. Nessa perspectiva, partindo do princípio de que “ensinar implica assumir um compromisso e uma responsabilidade muito grande, Cerletti afirma que “um bom docente será aquele que se situa a altura dessa responsabilidade [...].” Argumenta também que “os melhores professores são aqueles capazes de ensinar em condições diversas”. Significa isso que terão que repensar sempre “no seu dia a dia os próprios conhecimentos”.
Uma questão indubitavelmente relevante que Cerletti levanta é esta: “é evidente que não é o mesmo ‘dar aulas’ de filosofia em uma escola de uma zona socialmente muito castigada da periferia suburbana do que em um colégio urbano de classe alta ou em uma escola rural do interior do país [...] porque em função desses contextos, não será o mesmo em cada caso o que se pode – ou se deve – fazer em nome da filosofia”. [p. 7-8]. Este é sem dúvida um momento muito feliz da argumentação do autor porque aponta para a complexidade da realidade na qual se dá, ou se desenvolve o processo ensino/aprendizagem. E é por essa razão que ele argumenta que “o ensino de filosofia implica uma atualização cotidiana de múltiplos elementos que envolvem de maneira singular seus protagonistas, a filosofia posta em jogo e o contexto em que esse ensino tem lugar.” [p. 8].
Outro ponto [ou argumento] de destaque é quando Cerletti diz que “o ensino da filosofia é basicamente uma construção subjetiva, apoiada em uma série de elementos objetivos e conjunturais”. [p. 8]. A relevância disso consiste na possibilidade de se entender por “elementos objetivos” a realidade própria de cada um. E nessa perspectiva, o autor diz que “um bom professor é aquele capaz de levar adiante de forma ativa e criativa, essa construção”. [p. 8].
Em suma, pode-se dizer que – em geral – o propósito do livro é [como diz o autor] “convidar o leitor a refletir sobre algumas questões conceituais que são postas ao ensino da filosofia”.
Quanto à estrutura, o livro se compõe de sete capítulos. O primeiro [Que é ensinar filosofia?] busca defender a idéia de que não se separa a filosofia do filosofar, e que o filosofar se sustenta na tensão da pergunta filosófica. No seu desdobramento, o capítulo mostra que tradicionalmente a filosofia foi pensada no sentido de ser o seu ensino algo transmissível, o que nos tempos modernos deixara de acontecer. Nesse com texto, o autor argumenta que só se pode ensinar filosofia a partir de algum lugar e certas perspectivas. Fechando o primeiro capítulo, Cerletti vai argumentar que as obras dos filósofos, na verdade, são respostas que eles se deram, ou deram aos questionamentos que se faziam questionamentos esses que na maioria das vezes estão atrelados ao seu contexto.
No segundo capítulo [O perguntar filosófico e atitude filosófica] o que está em discussão é mais o perguntar que a atitude. Nesse aspecto Cerletti diz que “um curso filosófico deveria ser um campo fértil para o perguntar da filosofia”. No sentido da pergunta, o autor questiona sobre o que é que distingue a pergunta filosófica das demais, e argumenta que esse diferencial está na intencionalidade daquele que pergunta e não no perguntar em si. No decorre do capítulo, o autor vai dizer ainda que a pergunta filosófica não se esgota na primeira resposta adquirida. Nesse sentido diz que “A intencionalidade da pergunta se enraíza na aspiração ao saber.” Cremos que um dos pontos mais relevantes da argumentação do autor é quando ele diz que “o ensino filosófico deveria voltar-se [...] para as condições de possibilidade das perguntas filosóficas.” [p. 25-26]. De acordo com o autor, “o que move alguém a filosofar é o desafio de ter que dar conta, de uma distância ou de um vazio que nunca é preenchido, satisfeito.”. 
No terceiro capítulo [Repetição e criação na filosofia e em seu ensino], o autor chama a atenção para a importância da “análise daquilo que se pode ensinar em nome do pensar crítico e criativo em qualquer ensino de filosofia”. Nesse sentido, ele argumenta sobre a impossibilidade de se criar a partir do nada. O que significa que sempre se parte de alguma coisa, corroborando o que já fora dito anteriormente. Cerletti diz que o que os filósofos fazem é “re-criar os seus temas e reconstruir os seus problemas.” [p. 32]. Para isso, o filosofo deve se voltar para o passado, mas, sem perder de vista a dimensão do futuro, “porque desdobra um olhar que inventa novos questionamentos”. [p. 32]. O autor considera ainda que a repetição é positiva na filosofia na medida em que “é condição de possibilidade de criação, ou seja do aparecimento de algo diferente”. [p. 33]. Cerletti chama a atenção também para o fato de que o ensino de filosofia vai alem da trasladação dos saberes tradicionais. Nesse aspecto, o que faz com que um ensino de filosofia seja filosófico é o fato “desses saberes serem revisados no contexto de uma aula.” [p. 34]. Novamente o autor insiste no fato de que não se separa a filosofia do filosofar: “ensinaremos filosofia no ato de filosofar e aprender-se-ia filosofia começando a filosofar”. [p. 36].
No quarto capitulo [Porque ensinar filosofia], Cerletti afirmar que essa pergunta conduz a outra, qual seja, “pára que ‘serve’ a filosofia?” responder a essas perguntas significa já está filosofando, ou ainda, fazendo filosofia como ele mesmo diz retomando um argumento já descrito: “a possibilidade de uma resposta [...] introduz-nos em cheio no terreno filosófico”. [p. 42]. De acordo com o autor, a justificativa a esses tipos de questionamentos [sobre o sentido da filosofia nas escolas] é uma tarefa que deve ser feita com muito cuidado “juntos aos diversos saberes e atividades de nossa vida de hoje”. [p. 43]. Quanto ao questionamento primeiro, Cerletti diz que nos tempos antigos a filosofia já havia se expressado, ou ainda, “demonstrado um gesto defensivo diante dos questionamentos que apontam a sua inutilidade.” [p. 44]. Quanto a pergunta referente ao valor da filosofia, o autor chama a atenção para o risco que se corre de atrelá-la ao mercado que preza sobretudo pelo valor de circulação da mercadoria. Essa reflexão de Cerletti é relevante por que nos ajuda a entender que o descrédito para com a filosofia pode vir muitas vezes – como de fato vem – daqueles que estão mais preocupados com a aquisição de riquezas materiais caracterizadas por seus valores elevados do que da parte daqueles que estão de fato preocupados com as reais transformações de um mundo desumano em catástrofes sócias, por exemplo.

Nos tempos em que vivemos, a palavra “utilidade” está associada, fundamentalmente, com um valor de mercado, e relacioná-la com a filosofia significaria estabelecer como a filosofia poderia instalar-se dentro desse mundo de circulação de mercadoria, dentro de sua produção e reprodução. [p. 46]


  Nesse sentido, é preciso ser prudente ao tentar-se definir a filosofia num contexto onde tudo se volta para o mercado. Pois, poderíamos correr o risco de diluir o seu verdadeiro significado e deturpar seu real sentido. Entretanto, de acordo com Cerletti, não se pode desprezar os demais saberes em proveito da filosofia. É preciso, antes de tudo, reconhecer suas importâncias como sendo para a filosofia a “base de sua reflexão”. [p. 52].
No quinto capítulo [A formação docente: entre professores e filósofos], Cerletti discorre sobre como deve [ou deveria] ser [ou se dar] a formação do professor de filosofia. Para tanto, ele parte do princípio de que “Um professor de filosofia não ‘se forma’ tão somente ao adquirir alguns conteúdos filosóficos e pedagógicos, [mas] vai-se aprendendo a ser professor desde o momento em que se começa a ser aluno” [p.55]. Ou seja, nessa concepção, não há em específico um ponto que demarque aonde começa a verdadeira formação docente. Nesse sentido, seria relevante que o alunato [desde o início de sua vida como estudante] já se dedicasse ao máximo à vida de estudos. Nessa perspectiva, se justifica o “porque” de muitas vezes nos depararmos com esta ou aquela falha do professor, falhas essas que muitas vezes pode comprometer o aprendizado. É nesse sentido que o autor argumenta que “se é como docente o aluno que se foi”. [p. 55]. O autor chama a atenção para o fato de que, em princípio, a formação e a prática docente podem estar – até certo ponto – desorientadas. Isso, entretanto, não se trata de um problema crucial, mas decorre [ou pode decorre] simplesmente do fato do repertório do professor ainda está refletindo o amontoado de conteúdos vistos na graduação. Esses conteúdos e similares, de acordo com o autor, não podem ser abandonados:

O componente real do equipamento pedagógico que um professor dispõe para a sua prática é constituído, então, por aquele conjunto de teorias implícitas, valores e crenças pedagógicas que formam um a priori que não deixar de ser levado em conta. [p. 57].


É nesse aspecto que o autor vai argumentar que “não é possível cifrar todas as expectativas da formação docente no momento inicial [...], mas, deve se pensar também nos momentos anteriores [...] e posteriores”. [p. 57]. Cerletti chama a atenção ainda para o fato de que a análise de toda atividade docente deve considerar a totalidade de tudo o que envolve esse processo: teoria, gestos, hábitos o etc. Nesse aspecto, ele argumenta que “a formação de um professor de filosofia [...] corresponde a toda a formação em seu conjunto” [p. 60, grifo nosso]. Ou seja, o processo é linear. Ao final do capítulo, o autor retomar a questão trans-formação para argumentar que “transformar-se em sujeito da educação, [...] pressupõe deixar de lado a tutela para converter-se em protagonista da própria formação”. [p. 64].
No sexto capítulo [Ensino de filosofia, instituições e Estado] o autor argumenta que “a relação entre filosofia, seu ensino e o Estado teve uma origem trágica: a morte de Sócrates” [p. 66]. Desse modo, pode-se perceber já uma certa tensão como elemento mediador dessa relação. A morte de Sócrates – nesse caso – mostra a complexidade que há na tentativa de compatibilizar o ensino de filosofia com as exigências próprias das instituições, o que evidentemente, não está isento de conflito, e até mesmo o conflito mortal como o foi com Sócrates. Nesse sentido, Cerletti argumenta que “a Apologia de Sócrates, de Platão, talvez seja um dos textos filosóficos que com maior força põe de manifesto a dificuldade que significa decidir o lugar institucional da filosofia.” [p. 66]. Ou seja, o que está em debate aqui é: qual é o verdadeiro lugar da filosofia? De qualquer modo, chama-se a tensão aqui para o fato de que a morte de Sócrates pode ser uma denúncia de que a sociedade da sua época não estava preparada e nem aberta para a recepção de novas formas de pensamento e, por isso, matara aquele que primeiro ousara enveredar esse caminho. De acordo com Cerletti, a resolução desse problema seria um dos alvos de Platão: “Platão tomou como seu desafio político (e filosófico) a superação desse problema, ou seja, uma pólis justa seria a que tolerasse Sócrates filosofando oficialmente.” [p. 68, grifo nosso]. Aqui há de se perguntar: o que seria, então, a filosofia de Sócrates para que o estado não a aceitasse? Pode-se argumentar aqui que a morte de Sócrates também atesta outra problemática pertinente que [se iniciando no contexto antigo] ainda persiste nos dias atuais: o fato de que o ensino de filosofia se encontra sempre obstaculizado em razão de limites que se lhe interpõe. Quase sempre esses obstáculos resultam de interesses diversos presente na esfera política, esfera esta que atravessa a educação, as instituições etc. E nesse sentido, o autor argumenta, “as instituições não são lugares neutros.” [p. 72]. Uma argumentação muito relevante do autor é quando ele diz:

Poderíamos afirmar que a “formação em valores” (cívicos, morais ou religiosos) não é o essencial do ensino da filosofia. Em todos os casos é algo que poderá ser compartilhado com as demais disciplinas. A função da filosofia na escola [...] seria a de dar ferramentas aos jovens para adaptarem-se ao mundo de hoje, mas antes mostrar diversos recursos teóricos que possam ser utilizados para pensá-lo e eventualmente transformá-lo [p. 74]

Nessa perspectiva, a função da filosofia é apensa a de fazer com que os jovens se dêem conta dos elementos aptos a fazê-lo pensar o mundo a partir dos elementos [ferramentas] que já estão postos.
No sétimo e último capítulo [Em direção a uma didática filosófica] o autor retomas algumas discussões já postas nos capítulos anteriores. Por isso esse último [capítulo] pode-se dizer, resulta como apanhado geral do livro. Entretanto, há reflexões novas, e algumas delas convêm trazer á baila. Essas reflexões dizem respeito à possibilidade de se ter ou não uma didática filosófica. De acordo com o autor, para se pensar essa didática seria preciso ter presente alguns questões:

Em primeiro lugar, considerar que a sala de aula é um âmbito em que é possível formular perguntas filosóficas com a radicalidade que elas implicam, e não um lugar em que o professor somente oferece repostas a perguntas que seus alunos não formularam. De maneira correlata, sustentar que ensinar filosofia exige a construção de um âmbito para o filosofar. [p. 81]


O autor está, portanto, sustentando e defendo um entrelaçamento entre perguntar e filosofar. Pode-se fazer aqui um trocadilho e dizer que o filosofar é fruto do perguntar sobre as coisas, o mundo etc. Sem essa atitude de questionar [que demarca a inquietação primeira] o filosofar não seria possível e assim já não se teria filosofia já que ela nasce desse processo pelo qual o indivíduo é perturbado frente a alguma coisa. Nessa perspectiva, o autor argumenta que o “o objetivo final de todo professor de filosofia deverá ser fazer de seus alunos, em alguma medida, filósofos.” [p. 81, grifo do autor]. No sentido de que ensinar filosofia não é transmitir conhecimentos, Cerletti argumenta que “o ensino de filosofia se constrói no diálogo filosófico do dia a dia”. [p. 82]. Ou seja, o processo é gradual. Para finalizar: “uma vez mais [diz Cerletti]: Ensinar filosofia é dar um lugar ao pensamento do outro”. [p. 87]. 
Ressaltamos que a argumentação do autor é boa e [ao que aparece] dar conta da problemática que ele se propõe a discorrer. Concordamos com todos os argumentos propostos, como, por exemplo, o de que: o aluno não é tabula raza; que não se transmite conhecimentos; que se recria e se repete, dentre outros.
O que chamamos a atenção é para o fato de que o autor muitas vezes é repetitivo, quando na verdade deveria ser mais “uno” em algumas argumentações. Ressaltamos também que [ao que tudo indica] em algum momento o autor aparece contradizer alguns argumentos que ele mesmo dissera antes. Um exemplo é o que diz respeito ao fato de que os conhecimentos são transmitidos ou não. Em muitos momentos ele argumenta em prol de uma transmissão dos conhecimentos. Somente no último capítulo é que ele diz consistentemente que o ensinar não tem como função transmitir. Essa talvez seja a falha do autor, mas que, jamais ofusca a grandeza do seu pensamento.